A revisão judicial dos contratos
Relações cíveis, de consumo e a modificação de cláusula abusiva As várias crises econômico-financeiras atravessadas pelos brasileiros afetam diretamente a sua capacidade de adimplir os contratos pactuados. Nesse contexto, discute-se a possibilidade de se recorrer ao Poder Judiciário para modificar cláusulas contratuais e qual seria o alcance dessa interferência estatal.
A revisão de um contrato é possível quando passa a existir desequilíbrio econômico-financeiro na relação contratual, causando onerosidade excessiva para uma das partes.
Nos contratos regidos pelas normas do Código Civil (1), ou seja, aqueles que não envolvem relação de consumo, é requisito para a revisão que o desequilíbrio econômico-financeiro entre as partes tenha sido provocado por um acontecimento que não era possível prever no momento da celebração do contrato. Além disso, esse acontecimento deve trazer uma vantagem extrema para uma das partes em prejuízo da outra.
Segundo o Código Civil:
Art. 478. “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. (...)”.
Art. 479. “A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato”.
Por outro lado, para a revisão dos contratos entre consumidor e fornecedor de produtos ou prestador de serviços, disciplinados pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor (2), basta que o fato causador da onerosidade excessiva e do desequilíbrio contratual ocorra em momento posterior à formação do contrato. A imprevisibilidade do fato causador não é um requisito para a revisão, nem é necessário que se verifique vantagem extrema para uma das partes.
Assim, a probabilidade de revisão contratual nos litígios de consumo, que são sujeitos às normas do Código de Defesa do Consumidor, é mais ampla quando comparada à probabilidade de revisão dos contratos de natureza cível, sujeitos ao Código Civil.
São exemplos de relações jurídicas de consumo os contratos entre instituições financeiras e seus usuários (inclusive quando estes são pessoas jurídicas), entre empresas de seguro-saúde e seus segurados e o contrato de transporte aéreo de passageiros. Não se aplicam as regras do Código de Proteção e Defesa do Consumidor aos litígios entre condôminos e condomínios, locadores e locatários, contribuintes de tributos e o Estado, entre outros.
Se o desequilíbrio existe em razão de uma cláusula contratual que estabeleceu obrigações desproporcionais desde o início, trata-se de cláusula abusiva, que poderá ser modificada com fundamento no CDC, artigo 51, inciso IV (3).
Há onerosidade excessiva superveniente quando o evento causador do desequilíbrio contratual se dá após a formação do contrato, durante a sua execução; no caso de cláusula abusiva, esse evento está presente no momento da formação do contrato, é parte integrante dele.
Essas situações estão previstas no Código de Defesa do Consumidor:
Art. 6º. “São direitos básicos do consumidor:
V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.
Como se vê, a classificação de uma relação obrigacional como “cível” ou “de consumo”, que pode até mesmo ser decidida caso a caso, na situação concreta, tem reflexos práticos na maior ou menor probabilidade de êxito da ação que pede a revisão contratual.
(1) Lei nº. 10.406/2002
(2) Lei nº. 8.078/1990
(3) Lei nº. 8.078/1990, art. 51. “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...) IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.