É possível pedir indenização por abandono afetivo?
Com a paternidade ou maternidade, surgem os deveres de sustento, guarda e educação dos filhos enquanto menores [1].
O abandono afetivo, na esfera jurídica, não se caracteriza subjetivamente, investigando-se os sentimentos de amor ou desamor do genitor em relação ao filho; ele é caracterizado pela omissão ou negligência quanto aos deveres de cuidado e assistência decorrentes do poder familiar.
Essa responsabilidade recai não apenas sobre o aspecto material. A ausência afetiva de um dos pais pode gerar prejuízo ao desenvolvimento da criança ou adolescente, afetando a sua integridade psíquica e a construção de sua personalidade.
A lesão a estes bens imateriais pode dar ensejo à condenação ao pagamento de
indenização, com finalidade compensatória, punitiva e dissuasiva? A questão é
controvertida.
Para parte do meio jurídico, indenizar em razão do dano sofrido pelo abandono afetivo seria monetizar as relações parentais, tema de foro íntimo cujas chagas não podem ser mensuradas ou compensadas pecuniariamente.
Nesse sentido:
“A simples violação de um dever decorrente da norma de família não é idônea, por si só, para a reparação de um eventual dano. Exatamente por isso, não admitimos que a pura e simples violação de afeto enseje uma indenização por dano moral. (...) Afeto, carinho, amor, atenção... são valores espirituais, dedicados a outrem por absoluta e exclusiva vontade pessoal, não por imposição jurídica. Reconhecer a indenizabilidade decorrente da negativa de afeto produziria uma verdadeira patrimonialização de algo que não possui tal característica econômica” [2].
No entanto, prevalece o entendimento de que há possibilidade de se indenizar pelos danos decorrentes do descumprimento injustificado e voluntário dos deveres de criação e educação dos filhos.
Para a Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça:
“Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos.
O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da religião.
O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes.
Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever” [3].
O ponto onde não há discordância consiste em que unicamente o abandono afetivo relevante e notório possibilita o reconhecimento da ocorrência de ato ilícito causador de dano moral, jamais os desacertos próprios ao processo de criação e educação dos filhos, evitando-se, desse modo, eventuais abusos que poderiam, estes, sim, redundar na patrimonialização das relações pessoais.
[1] Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 22: Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
[2] CHAVES, Cristiano de Farias; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2011, p. 576/577. Citado em: TJ-SP - APL: 00263421820138260576 SP 0026342-18.2013.8.26.0576, Relator: Ronnie Herbert Barros Soares, Data de Julgamento: 06/12/2016, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 13/12/2016
[3] REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012.